CARLOS MAGNO NA MEMÓRIA POPULAR

 


Isabela Abes Casaca

Carlos Magno, História, Literatura 

“O arauto dignou-se a anunciar: 

– Na Alta Idade Média, a terra estava dividida, sem rei. Nesse tempo longínquo, ascendeu uma dinastia sucedente aos Merovíngios. No princípio do Reinado Carolíngio, destacou-se um Rei. Alma bondosa, nobreza vigorosa, coragem venturosa, coroa majestosa: Carlos Magno.

O sagaz mensageiro, em recordo, em sua fala começou a honrar a memória de uma noite gloriosa. Carlos, o Grande, acompanhado de seus doze cavaleiros, demais guerreiros e escudeiros; ouviam as palavras e conselhos sapientes: 

– Assim seja! – disse Alcuino – Fiquem em silêncio… Olhem para esse momento. Saboreiem-no! Regozijem-no com grande alegria. Lembrem-se para sempre, vocês estarão unidos para sempre! Vocês são Um, sob as estrelas. Lembrem-se bem, esta noite, esta grande vitória. De modo que, nos anos vindouros, possam dizer: Eu estava lá naquela noite, com Carlos, o rei! O desfortúnio dos homens é esquecer… Lembrem-se” 

A memória é algo impressionante, o tempo não para nunca de fluir, contudo algumas coisas persistem; permanecem presentes no inconsciente coletivo e na memória popular. O afã das novidades e as invencionices da modernidade, não hão nunca de ofuscar, as fidedignas lembranças e recordações que dizem respeito a uma pessoa sã e basilar. 

Carlos Magno, nomeado como “pai da Europa”, porém vejo-o como algo mais que isso. Reconheço-o como uma “Pedra Fundamental” e Pilar da Sociedade Ocidental, atualmente pouco lembramos conscientemente de seu talento e seu valor; porém seu destaque permanece vivo nos terrenos do inconsciente coletivo e na memória popular. 

Uma das melhores fontes da memória popular é a literatura; seja prosa, poesia, teatro ou biografia. Carlos não é tão famoso quanto o Rei Arthur, o Ciclo Arturiano e a matéria da Bretanha, mas existem inúmeras obras literárias e artísticas documentando sua história. Não pensem, que apenas a biografia “Vida de Carlos Magno” (Einhard); a crônica “História da Vida de Carlos Magno e Rolando” (Turpin); os poemas épicos “A Canção de Rolando” e “Orlando Enamorado” (Matteo Maria Boiardo). 

A chamada matéria da França, presente também está nas cavalhadas herdadas de Portugal, estas recriam os torneios medievais de justa e as batalhas entre cristãos e mouros, muitas vezes tendo com enredo as lendas e histórias do reinado Carolíngio. Na terra Brasilis, registram-se desde o século XVII e acontecem durante a Festa do Divino Espírito Santo, nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. 

Com igual relevância, a matéria da França, faz-se presente na literatura de cordel do Nordeste do Brasil. Há inúmeros cordéis cujos protagonistas são Carlos Magno e seus doze cavaleiros de confiança: “A História do Imperador Carlos Magno e os Doze Pares da França” (tradução Jeronimo Moreira de Carvalho), “A Grande Paixão de Carlos Magno pela Princesa do Anel Encantado” (José Severino), “A Batalha de Oliveiros com Ferrabrás” (Leandro Gomes de Barros), “Carlos Magno em Cantoria” (Geraldo Amâncio e José Fernandes), entre muitos outros. 

Segundo o folclorista Câmara Cascudo, a A História do Imperador Carlos Magno e os Doze Pares da França foi o livro mais conhecido dos brasileiros do interior do país, principalmente tratando-se do meio rural, criações de gado, engenhos e plantações de cana-de-açúcar. Porém, não era muito apreciada nos centros urbanos. Segundo o folclorista “nenhum sertanejo ignorava as façanhas dos Pares ou a imponência do Imperador da barba florida”(1). 

A História do Imperador Carlos Magno servia de matriz para a literatura de cordel, fornecendo motivos para os cantadores, em seus desafios de versos, que se aproveitavam de determinados momentos para construir suas narrativas particulares. Na essência do enredos sobressaiam-se os valores da coragem, da fidelidade, da honra a palavra dada, da nobreza, da fé e outros. 

O seguinte trecho exemplifica a afirmação do parágrafo anterior: “eram doze cavaleiros, homens muito valorosos, destemidos, animosos, entre todos os guerreiros, como bem fosse Oliveiros, um dos pares de fiança, que sua perseverança, venceu todos os infiéis”(2) 

De fato, os romances de cavalaria estão repleto de virtudes morais, estas influenciaram fortemente o Escotismo, ecoando nos artigos da Lei Escoteira(3). Muito embora, sejam dez artigos presentes na supracitada lei, na tradição medievalista destaca sete virtudes basilares na Cavalaria: Fé, Esperança, Caridade, Justiça, Prudência, Fortaleza e Temperança. 

Estas virtudes relacionam-se profundamente com as Sete Virtudes que opõem-se aos aos sete pecados capitais, compiladas no poema épico “Psicomaquia” (Aurelius Clemens Prudentius): Simplicidade, Generosidade, Justiça, Persistência, Paciência, Lealdade, e Humildade. Da mesma forma, os Dons do Espírito Santo presentes na mais antiga tradição cristã, também guardam relação com as virtudes cavaleirescas: Sabedoria, Compreensão, Conselho, Ciência, Piedade, Fortaleza e Fé. 

O número sete é sempre uma constante, e qual será a razão que sustenta isso? As Sete Artes Liberais (Trivium e Quadrivium), que buscavam ensinar Lógica (ou Dialéctica), Gramática, Retórica, Aritmética, Música, Geometria e Astronomia. Essa forma de pedagogia foi compilada no Renascimento Carolíngio, pelo monge Alcuino de Iorque, a pedido do rei Carlos Magno. 

É bem provável que esses estudos superiores, das Sete Artes, que existiam naquela época valorassem as virtudes anteriormente mencionadas. Dessa forma, com transcorrer do tempo, a fonte foi regando a cultura e romances medievos e desaguando na cultura e cordéis brasileiros. Carlos Magno chegou na América, por essa repercussão acredito que ele transcende o epíteto “pai da Europa” e revela-se como “pedra fundamental” da civilização ocidental. 

As virtudes de Carlos Magno e dos Doze Pares de França estão no imaginário e moral brasileiros. Só nos resta recordar! 

“Os doze pares de França, cavaleiro, olê-olá, vão levar meu coração pro outro lado do mar. Pro lado de lá da noite,  Lá pras bandas da manhã. Onde o sol bate em meu peito, vermelho como romã.”(4) 

(1) CASCUDO, Luís da Câmara, “Informação sobre a História do Imperador Carlos Magno e dos Doze Pares de França”.

(2) BARROS, Leandro Gomes de, “A Batalha de Oliveiros com Ferrabrás”.

(3) BADEN-POWELL, Robert Stephenson Smyth, a “Lei Escoteira” é um código de conduta, assumido ao se realizar a Promessa Escoteira, onde se retêm as principais características do movimento escoteiro: a honra, a palavra, dignidade, lealdade, prestabilidade, amizade, cortesia, respeito e proteção da natureza, responsabilidade e disciplina, ânimo, bom-senso e respeito pela propriedade, integridade.

(4) TOQUINHO & BELCHIOR, “Os Doze Pares de França”.








Comentários


  1. A educação medieval era desenvolvida em estreita simbiose com a Igreja, com a fé cristã e com as instituições eclesiásticas que – enquanto acolhiam os oratores – eram as únicas delegadas (com as corporações no plano profissional) a educar, a formar, a conformar.

    ResponderExcluir
  2. Tipos de Escolas Medievais



    - Escolas Paroquias: voltadas, principalmente, para a formação de padres. Ensinava-se, basicamente, temas religiosos já que o objetivo principal era a formação sacerdotal.



    - Escolas Monásticas: eram voltadas, principalmente, para a formação de monges. Funcionavam em sistema de internato. Latim, canto gregoriano, textos sagrados (entre eles a Bíblia) e Filosofia eram os principais temas estudados nestas escolas. Valorização do trabalho e disciplina também eram importantes nestas escolas.



    - Escolas Palatinas: tinham como objetivo a formação mais ampla do indivíduo. Estudavam nestas escolas, principalmente, os filhos de nobres. Exigiam muita dedicação e empenho dos estudantes, pois tinham um currículo vasto. As principais disciplinas estudadas eram: Gramática, Aritmética, Geometria, Astronomia, Dialética, Retórica, Filosofia e Música.



    - Universidades Medievais: surgiram na Europa no século XII. As primeiras foram fundadas na França, Inglaterra e Itália. Eram comunidades formadas por mestres e estudantes (universitas) voltadas para o ensino, pesquisa, produção de conhecimentos, reflexão e debate. Serviram de modelo para as Universidades que temos até hoje. Em função dos temas polêmicos que levantam e discutiam de forma aberta, sofreram muita intervenção de reis, ordens religiosas e até mesmo do papa. Após uma formação básica (Gramática, Retórica, Aritmética, Geometria, Filosofia, Lógica e Astronomia), os estudantes podiam prosseguir seus estudos em áreas específicas. Os primeiros cursos universitários na Idade Média foram de Medicina, Teologia e Direito.

    ResponderExcluir

Postar um comentário